“Eu só vou ser ouvida quando eu morrer? Não, eu quero ser ouvida agora”, as mulheres indígenas que participam do Chamado do Raoni
Alessandra Munduruku e Mayalú Metuktire são referências na luta indígena e participarão do evento O Chamado do Raoni
Não é mero acaso que o evento convocado pelo cacique Raoni Metuktire para reunir lideranças indígenas na aldeia Piaraçu, no Mato Grosso, entre os dias 24 e 28 de julho, recebeu o nome de “Grande Encontro das Lideranças Guardiãs da Mãe Terra”. O estímulo para que mulheres ocupem os espaços de decisões é uma das bandeiras do evento, que tem pautado muitos dos debates indígenas.
“O papel das mulheres é estar junto com os caciques, de mãos dadas para fortalecer, não é nem na frente e nem trás, mas de mãos dadas, porque as mulheres estão se fortalecendo, estão tomando um espaço de poder e aquele povo muito tradicional, muito patriarcal, precisa deixar suas mulheres, suas filhas, suas netas falarem. O povo tem que confiar nas suas mulheres, tem que dar oportunidade para as mulheres. Os caciques me deram essa oportunidade e eu abracei e continuo abraçando”, explica a liderança indígena Alessandra Munduruku.
Apesar de estarem todos os dias na organização do evento e participando de modo transversal em diferentes painéis, organização e gerenciamento como um todo, na tarde do dia 28 é esperado um painel onde serão debatidos os desafios específicos das lideranças femininas.
Uma das participantes, neta do cacique Raoni, Mayalu Metuktire lembra que não é mais necessário buscar por empoderamento, mas sim, fortalecimento, “já somos empoderadas, só precisamos de espaço, de oportunidade”. Ela ainda complementa que o machismo presente na sociedade não indígena, atinge em dobro as mulheres indígenas. “Estamos em um processo de ocupação de espaços de decisões políticas e no mercado do trabalho. Esse é o desafio para nós mulheres indígenas, fazer a ocupação desses espaços”.
A luta das mulheres se dá porque ainda é desigual a atenção e oportunidade que recebem, e os ataques ainda mais violentos: Alessandra, já recebeu ameaças de morte e teve sua residência invadida em 2019. Em 2021, o ato voltou a se repetir, na semana anterior da invasão, ela havia estado em Brasília, acompanhada de outros caciques, para denunciar o aumento das invasões de madeireiros e garimpeiros nas terras indígenas.
“Muitas pessoas costumam falar “você é uma Dorothy, um Chico Mendes”, mas eles já morreram, eu não quero ser essas pessoas, eu quero ser eu mesma, quero ser Alessandra, quero ser ouvida. Eu só vou ser ouvida quando eu morrer? Não, eu quero ser ouvida agora, nesse momento”, relata a liderança.
Outro tipo de violência que deve receber atenção no evento, são as leis que buscam restringir os direitos dos povos indígenas, como a tese do Marco Temporal, medida que reduzir o direito aos territórios e dificultar os reconhecimentos de novas terras indígenas. “O Marco Temporal se for aprovado não afeta só mulheres e homens atuais, mas afeta a nossa ancestralidade, a memória do nosso povo. É isso que o marco Temporal ameaça aos povos indígenas”, diz Mayalu. “É como meu vô Raoni, meu pai (Megaron Txucarramãe) sempre colocam, nós Metuktire, estamos assegurados com nossa terra, mas há outros povos que precisam de terra para poder dar continuidade na sua existência e a gente precisa lutar junto”.
O evento “O Chamado do Raoni: Grande Encontro das Lideranças Guardiãs da Mãe Terra” trará a oportunidade de reunir os mais velhos, jovens e mulheres, para assim ouvir a sabedoria de lideranças com diversas experiências. Alessandra lembra que “o cacique Raoni está completando 93 anos de vida, é um cacique que viu tudo, sentiu tudo, ele é um cacique que sabe o que quer, está sempre pedindo a demarcação das terras de todos os povos, está pedindo pela preservação da natureza, isso é muito importante porque era para ele estar sentado, era pra ele estar descansando, mas ele tá na luta. Eu admiro muito o cacique Raoni, porque na idade que ele está, ele nunca parou e isso serve de exemplo para os jovens”.
Por: Aldrey Riechel e Nicole Matos