AMIGOS DA TERRA – AMAZÔNIA BRASILEIRA é contra alterações no CAR e PRA: Retrocessos ambientais colocam em risco acordos comerciais internacionais do Brasil
O setor agropecuário será o maior prejudicado com as medidas que colocam em risco o bom funcionamento e funcionalidades do CAR e PRA, perdendo mercados, credibilidade e oportunidades de negócios.
As Medidas Provisórias (MPs) 1150 e 1154 podem até estar mirando na redução das salvaguardas ambientais do país, buscando enfraquecer o monitoramento e flexibilizar as regras, mas estão acertando no futuro do setor agropecuário, que tem mais a perder com a aprovação de medidas que levam ao questionamento sobre a seriedade do Brasil e suas leis, eternizando na imagem internacional o cuidado que se precisa ter ao se negociar com um país onde algumas leis “pegam” e outras não, dificultando assim o estabelecimento de acordos comerciais.
A MP 1154, criada em janeiro de 2023 para estabelecer a reestruturação dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, corrigindo a mudança promovida pelo governo anterior, teve relatório aprovado que retira a administração do Cadastro Ambiental Rural (CAR), do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, transferindo para o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
Adiado por cinco vezes, a MP 1150 surgiu como uma tentativa de esticar mais uma vez o prazo de implementação do Código Florestal. O texto ainda faz um malabarismo que dificulta a implementação do Programa de Regularização Ambiental (PRA), deixando os produtores que precisam se regularizar ainda mais inseguros. Além disso, a MP que já era ruim ganhou ao longo do caminho uma série de incursões que atacam diretamente a Mata Atlântica. Acreditamos que, ainda que as crueldades contra a Mata Atlântica fossem retiradas do texto, não há nada que seja proveitoso desse projeto.
Na sua fala durante a COP27, o presidente Lula enfatizou ter como objetivo “priorizar a luta contra o desmatamento em todos os biomas.” Durante seu discurso de posse, reafirmou que a meta de seu governo seria “alcançar desmatamento zero na Amazônia e emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica, além de estimular o reaproveitamento de pastagens degradadas”. Nenhuma dessas promessas poderão ser cumpridas sem uma gestão ambiental responsável que só seria possível com a implementação total do Código Florestal.
O acordo comercial do Mercosul com a União Europeia sobreviveu por um fio durante a gestão do governo anterior, e apenas a mudança de gestão não parece ser suficiente para salvá-lo. O país precisará demonstrar que é capaz de cumprir as exigências ambientais para a ratificação do acordo, mas principalmente oferecer estabilidade. Não é inteligente firmar compromissos baseados em salvaguardas, garantidas por leis, que podem desaparecer a qualquer momento.
A União Europeia já aprovou uma lei garantindo que não irá mais aceitar produtos agro e pecuários com desmatamento, seja ele de qualquer natureza, em qualquer etapa da produção. Nós perguntamos: como o produtor vai comprovar a conformidade legal de sua produção sem um CAR validado? Terá de contratar certificações independentes e gastar ainda mais com isso? E para os que precisam sanar qualquer inadequação em sua propriedade, como o fará sem um acordo de regularização ambiental? As medidas querem jogar os produtores para um vácuo de legalidade e/ou ilegalidade eterna.
O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, representado pela ministra Marina Silva, goza de credibilidade internacional, mas as alterações impostas enfraquecem o arcabouço ambiental legal, assim como afeta os objetivos a serem atingidos pelos fundos de projetos socioambientais e de desenvolvimento que são abastecidos por contribuições de outros países.
CAR e PRA são garantias para os produtores e podem ajudar na consolidação do Brasil como um produtor de alimentos sustentáveis para o mundo.
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um importante instrumento de gestão para entender o uso do solo e manutenção das reservas legais e áreas protegidas. Toda propriedade rural precisa ter o seu documento e a gestão ambiental também é parte da missão do produtor, cuja produção depende das chuvas, do solo, dos polinizadores e da estabilidade climática para continuar a produzir.
A mudança do CAR para o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) demonstra uma pressão dos que buscam desvirtuar suas finalidades e desvincular a produção agrícola das questões ambientais, mostrando uma visão estreita de produção e curta do que o futuro nos reserva.
As alterações não afetam apenas os que se interessam por uma produção sustentável, o PRA é a porta para os produtores que precisam voltar ao mercado formal e deveria funcionar como um incentivo para a readequação das propriedades perante a lei. Muitos produtores querem se regularizar, mas a falta de regras claras, e as muitas incertezas decorrentes disso, estão dificultando esta regularização e os jogando para a não conformidade.
Em nota técnica o Observatório do Código Florestal aponta que o CAR “não é um simples registro que integra as informações ambientais das propriedades e posses rurais”, já que o órgão gestor do CAR deve ter capacidade técnica ambiental para analisar o cumprimento dos limites de uso do solo dos imóveis rurais, o status de conservação das Áreas de Preservação Permanentes (APPs), a conservação e uso sustentável das Reservas Legais (RLs), conforme estabelece o Código Florestal, para assim compor a base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico, e combate ao desmatamento.
Ainda segundo a nota, a MP1150 pode adiar indefinidamente a restauração de ”19 milhões de hectares de APP e RLs desmatados ilegalmente há mais de 15 anos”. Isso significa colocar em xeque a meta de restauração florestal brasileira assumida no Acordo de Paris, quando o país se comprometeu a reflorestar 12 milhões de hectares de vegetação nativa. A meta estabelecida em 2016, nunca saiu do papel, mas foi retomada pelo atual governo, em 2023 durante um discurso no Fórum das Grandes Economias sobre Energia e Clima. Este é um exemplo de como o Código Florestal é um importante instrumento para o cumprimento das metas brasileiras em um acordo mundial.
Com essas MPs, independente de quem disse a frase, comumente atribuída ao presidente Charles de Gaulle, estamos dando mais um motivo para se pensar que “o Brasil não é um país sério”.