Organizações repudiam a votação da MP da Grilagem
Carta aberta contra a iminente votação da Medida Provisória 910/2019, chamada de MP da Regularização Fundiária, mas conhecida como MP da Grilagem, é encabeçada pela Frente Parlamentar Ambientalista e conta com a assinatura de dezenas de organizações ambientalistas, dez ex-ministros do Meio Ambiente e também do Desenvolvimento Agrário e 27 parlamentares de governos estaduais e federal
A MP 910 apresenta alterações na regularização de terras, ocupações feitas até 2008 poderiam ser regularizadas com vários benefícios ao proprietário, como pagar somente de 10% a 50% do valor da terra. Para quem ocupou depois de 2008 e até 2011, a regularização também seria possível, mas o proprietário teria de pagar o valor máximo da planilha do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Com a MP 910, a data final para pagar com descontos passou de 2008 para 2014, e a de 2011 passou para 2018. Com a nova medida a extensão da aplicação da lei, antes restrita ao território da Amazônia Legal passará a valer para o país.
Os principais problemas que a MP 910 apresenta é a facilitação da regularização de atividades ilícitas; o estímulo para novas ocupações de áreas públicas em face da perspectiva de sucessivas facilidades de regularização; estende benefícios direcionados à reforma agrária para ocupantes de glebas extensas (até 1.500ha na MP e até 2.500ha nas duas versões divulgadas pelo relator na comissão mista); estimula o desmatamento da Amazônia, a degradação ambiental, os conflitos sociais e as infrações ambientais serão amplificadas, beneficiando grileiros.
“Os problemas fundiários não podem ser resolvidos simplesmente legalizando o crime e suas irregularidades, precisamos de uma política clara e eficiente para a questão fundiária no Brasil e, principalmente, na Amazônia”, ressalta Mauro Armelin, diretor da organização Amigos da Terra – Amazônia Brasileira.
Em entrevista ao Congresso em Foco, o senador Irajá afirmou que a matéria precisa ser pautada o quanto antes na Câmara. “Estou em contato com o presidente da Câmara e com a ministra Tereza para que o texto seja votado o mais breve possível para que tenhamos tempo de votar também no plenário do Senado. Eu me esforcei ao máximo para que a gente produzisse um bom trabalho, um trabalho propositivo, responsável, equilibrado, para que nós pudéssemos corresponder à expectativa de milhões de produtores!.”
Com a publicação, as normas contidas na MP já estão em vigor, mas precisam ser aprovadas pelo Congresso até o dia 19 de maio, ou caducará.
Leia a carta na íntegra
A Frente Parlamentar Ambientalista, as frentes parlamentares, os parlamentares, os ex-ministros e as organizações signatárias abaixo explicitadas manifestam seu posicionamento absolutamente contrário à entrada em pauta e votação da Medida Provisória nº 910, de 2019, durante o período de crise decorrente da pandemia da Covid-19. Com validade até 19/05, não deveria ser objeto de deliberação, pelos motivos apresentados a seguir.
A MP 910/2019 sequer reúne o requisito constitucional de urgência na sua edição. As regras sobre regularização fundiária em vigor foram modificadas em 2017, não tendo havido nem sequer tempo para sua aplicação completa. Intenta-se votar no rito especial das medidas provisórias matéria polêmica e eivada de inconstitucionalidades, que flexibiliza os requisitos para a regularização de extensas áreas e prioriza procedimentos meramente declaratórios, sem controle estatal. O relator designado na comissão mista, nos dois pareceres divulgados até agora, ampliou a fragilidade jurídica do texto e sua injustiça social. Independentemente da proposta do relator, nosso entendimento é de que a MP original já apresentava graves problemas e não pode ser apreciada durante o quadro de crise sanitária, no qual os ritos legislativos foram tornados mais céleres.
A MP 910/2019 facilita a regularização de atividades ilícitas, incentiva novas ocupações de áreas públicas em face da perspectiva de sucessivas facilidades de regularização, estende benefícios direcionados à reforma agrária para ocupantes de glebas extensas (até 1.500ha na MP e até 2.500ha nas duas versões divulgadas pelo relator na comissão mista) e estimula o desmatamento e a degradação ambiental. Sabe-se que a regularização fundiária é política pública de extrema importância no caso brasileiro, mas não será com propostas como essa que os problemas nessa área serão solucionados. Pelo contrário, os conflitos sociais e as infrações ambientais serão amplificados.
Nota técnica conjunta de quatro câmaras técnicas do Ministério Público Federal (Criminal, Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, Combate à Corrupção) [1] aponta uma lista extensa de problemas de constitucionalidade na MP 910/2019. Manifestação dos presidentes de nove partidos políticos (Rede, PSB, PV, Psol, PDT, PT, PcdoB e PCB) [2] resume os principais problemas no texto dessa medida provisória e requer que não seja votada. Vários institutos de pesquisa e outras organizações [3] avaliaram as inconsistências técnicas e jurídicas da MP 910/2019, bem como os problemas sociais e ambientais dela derivados.
Em face do acima exposto, requeremos que o Congresso Nacional afaste formalmente qualquer possibilidade de essa medida provisória ser discutida. Esta é a demanda apresentada ao Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Rodrigo Maia, e ao Presidente do Senado Federal, Senador Davi Alcolumbre. Os dirigentes do Poder Legislativo não podem pactuar com proposta que legitima a grilagem e o desmatamento ilegal e beneficia grandes produtores rurais em detrimento de agricultores familiares e populações tradicionais. No curso da crise da Covid-19, esse prêmio à ilicitude, se confirmado mediante a aprovação da MP 910/2019, assumiria natureza ainda mais criminosa.
Dep. Rodrigo Agostinho (PSB/SP) – Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista
Dep. Joenia Wapichana (REDE/RR) – Coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas
Dep. Nilto Tatto (PT/SP) – Coordenador da Frente Parlamentar Mista de Apoio aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU – ODS
Deputada Áurea Carolina (PSOL/MG) – Coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais
Deputado Marcelo Freixo (PSOL/RJ) – Coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos com Participação Popular
Deputado Alessandro Molon (PSB/RJ) – Líder do PSB
Senadora Eliziane Gama (CIDADANIA/MA) – Líder do Cidadania
Senador Fabiano Contarato (REDE/ES) – Presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal e membro do Conselho de Direitos Humanos
Senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP) – Líder da Rede Sustentabilidade
Deputado David Miranda (PSOL/RJ)
Deputado Edmilson Rodrigues (PSOL/PA)
Deputada Fernanda Melchionna (PSOL/RS)
Deputado Glauber Braga (PSOL/RJ)
Deputado Ivan Valente (PSOL/SP)
Deputada Luiza Erundina (PSOL/SP)
Deputada Sâmia Bomfim (PSOL/SP)
Deputada Talíria Petrone (PSOL/RJ)
Deputada Estadual Ana Paula (REDE/MG)
Deputada Estadual Marina Helou (REDE/SP) – Coordenadora da Frente Parlamentar Ambientalista em Defesa das Águas e do Saneamento de São Paulo
Deputado Distrital Leandro Grass (REDE/DF) – Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista e da Frente Parlamentar pelos ODS – Câmara Legislativa do DF
Deputado Estadual Goura Nataraj (PDT/PR) – Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista da Assembleia Legislativa do PR
Deputado Estadual Renato Roseno (PSOL/CE) – Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista da Assembleia Legislativa
Deputada Estadual Estela Bezerra (PSB/PB) – Coordenadora da Frente Parlamentar Ambientalista da Assembleia Legislativa
Deputado Estadual Marcelino Gallo (PT/BA) – Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista da Assembleia Legislativa
Deputado Estadual Davi Maia (DEM/AL) – Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista da Assembleia Legislativa
Deputado Estadual Chió (REDE/PB)
Deputado Estadual Carlos Minc (PSB/RJ) – Ex-Ministro do Meio Ambiente
Sarney Filho – Ex-Ministro do Meio Ambiente
Marina Silva, Ex-Ministra do Meio Ambiente
Rubens Ricupero, Ex-Ministro do Meio Ambiente
José Carlos Carvalho, Ex-Ministro do Meio Ambiente
Edson Duarte – Ex-Ministro do Meio Ambiente
Miguel Rosseto – Ex-Ministro do Desenvolvimento Agrário
Guilherme Cassel – Ex-Ministro do Desenvolvimento Agrário
Pepe Vargas – Ex-Ministro do Desenvolvimento Agrário
Deputada Estadual Paulinha (PDT/SC) – Coordenadora da Frente Parlamentar Ambientalista da Assembleia Legislativa
Deputado Afonso Florense (PT-BA), ex-ministro do Desenvolvimento Agrário e Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa das Organizações da Sociedade Civil (FPD-OSC)
Vereador Marcelo Marcondes (PV/SP) – Frente Parlamentar Ambientalista dos vereadores
Vereador Marcos Mendes (PSOL/Salvador/Bahia) – Frente Parlamentar Ambientalista dos Vereadores
Endossam a presente Carta as seguintes instituições da sociedade civil organizada:
Fundação SOS Mata Atlântica
WWF – Brasil
Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN
Associação Alternativa Terrazul
Greenpeace Brasil
Hivos – Instituto Humanista para Cooperação e Desenvolvimento
Instituto Nossa Ilhéus Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS
Fórum Alagoano de Comitês de Bacia Hidrográfica
Instituto Socioambiental – ISA
Observatório do Clima
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS
Rede Grupo de Trabalho Amazônico – GTA
350. org
Apremavi
Iniciativa Verde
Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável
Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
Instituto Centro de Vida
Instituto Climainfo
Projeto Saúde e Alegria
The Nature Conservancy – TNC
Grupo Ambientalista da Bahia
Fundación Avina Engajamundo
SOS Amazônia
Instituto Ecoar
Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
ASCEMA Nacional
Idesam
Instituto Pro Terra
Frente de Ações pela Libertação Animal – FALA
Instituto Akatu
Gama Verde
International Rivers – Brasil
Instituto Terramar
Ceará no Clima
Instituto Verdeluz
1] http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/coordenacao/notas-tecnicas/notas-tecnicas-1/nota- tecnica-conjunta-1-2020-2a-ccr-4accr-5a-ccr-e-6a-ccr Veja também: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/02/mp-de-bolsonaro-preve-beneficio-social-para-grileiro- de-terra-publica-diz-procuradoria.shtml
[2] https://congressoemfoco.uol.com.br/meio-ambiente/presidentes-de-partidos-se-unem-para-evitar- votacao-da-mp-da-grilagem/
[3] Veja documentos técnicos elaborados por: Imazon (https://imazon.org.br/publicacoes/nota- tecnica-sobre-medida-provisoria-n-o-910-2019/), ISPN (https://ispn.org.br/site/wp- content/uploads/2020/03/Folder-MP-910.pdf), Climate Policy Initiative (https://climatepolicyinitiative.org/wp-content/uploads/2020/02/NT-MP-910.pdf), WWF (https://www.wwf.org.br/?uNewsID=75322) e Instituto Socioambiental
https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/nsa/arquivos/- nota_tecnica_mp_910_-_isa.pdf), entre outras organizações.