Posicionamento da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira sobre o julgamento das ADI’s do Código Florestal
Hoje o Supremo Tribunal Federal pode colocar seu nome na história do direito ambiental com o julgamento das ADI´s e da ADC do Código Florestal, o que na prática significa julgar qual o uso dos imóveis rurais no Brasil, seja para a produção de commodities agrícolas, serviços ecossistêmicos, como água e estoques de carbono, ou produtos florestais como madeira e os não madeireiros. Será definida, portanto, a forma de uso de pouco mais do que 333 milhões de hectares – quase metade de todo o território nacional — segundo dados do Censo Agropecuário de 2006, realizado pelo IBGE.
Em 2012, a Lei no 12.651/2012 foi aprovada, alterando do Código Florestal de 1965. Menos de um ano depois da publicação da nova Lei, a Procuradoria Geral da República ingressou com três Ações Diretas de Constitucionalidade (ADIs) e o PSOL com uma. Em abril de 2016, previa-se que o julgamento se daria em, no máximo, três meses, quando então o PP ingressou com uma Ação Direta de Constitucionalidade a favor da Lei.
O que está em jogo são princípios jurídicos constitucionais, que vão além da briga em torno de metragens para se produzir ou se proteger o meio ambiente para o presente ou para o futuro. O que está em jogo são a função social da propriedade e o princípio da vedação de retrocesso socioambiental.
A função social da propriedade é imposta pela Constituição, como direito fundamental e princípio da ordem econômica, a qual deve observar também a defesa do meio ambiente. A função social importa em uma limitação ao direito de propriedade, devido ao seu caráter social e ambiental, impondo ao proprietário proteger os recursos naturais de seu imóvel. O limite de uso para que o bem cumpra a função social é definido nas leis ambientais, como o Código Florestal, o qual deve garantir a sustentabilidade da atividade agrícola e florestal, conciliada à proteção do meio ambiente.
A propriedade somente pode cumprir a sua função social se garantido o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com a manutenção dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica e da biodiversidade. Cabe ao STF julgar se os 23 dispositivos da Lei no 12.651/2012, questionados nas ADIs ferem ou não o cumprimento da função social da propriedade.
No mesmo sentido, o princípio da vedação de retrocesso socioambiental serve para prevenir que o conjunto de normas já instituídas, neste caso a Constituição e o Código Florestal, que garantem à sociedade brasileira fruir de direitos fundamentais, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado, venha a ser suprimido ou restringido, garantindo a efetividade desses direitos.
Trocando em miúdos, não importa que o tamanho da Área de Preservação Permanente (APP) seja de cinco ou 30 metros. O que realmente deve ser julgado é se sua finalidade de proteção aos corpos d´agua, por exemplo, é atendida. Notadamente e cientificamente comprovado, cinco metros nas margens dos rios não atende a finalidade de proteção para a qual foi criada, a de proteção do próprio rio, suas águas e de sua ribanceira, que ficaria instável sem a vegetação natural.
A análise do STF precisa considerar onde a Lei nova restringiu ou suprimiu a proteção ambiental que permitia à propriedade, antes da alteração legislativa, cumprir sua função social e, ao mesmo tempo, permitia à sociedade desfrutar do meio ambiente saudável, biodiverso e provedor de serviços ambientais. Deve-se levar em conta os dados técnicos e científicos que avaliam a proteção àqueles corpos d´água, objetivo original da proteção legal. Isso deve ser feito para todos os itens questionados: anistias, fixação de uma data de corte, regras de transição, retorno a legislações vigentes no passado ir permitiam desmatar .
As ADIs propostas pela PGE não questionam o Cadastro Ambiental Rural, item mais louvável sob o ponto de vista ambiental da norma, tampouco o Programa de Regularização Ambiental. Sobre o PRA, afirma-se que é “conveniente e louvável a iniciativa de criação, em nível nacional, um amplo programa de recuperação dos passivos ambientais”, ressaltando que, entretanto, a norma deve respeitar o dever constitucional de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais.
Caso a Lei seja declarada integralmente constitucional, e como há comprovação científica de que algumas anistias concedidas não protegem o meio ambiente, corre-se o risco de se criar as condições para uma avalanche de projetos de lei reduzindo ainda mais a proteção atual. Na verdade, já existem inúmeros projetos de lei no Congresso alterando o Código atual, contrariando o que se afirma, como principal argumento para o julgamento da constitucionalidade da norma, que houve um amplo debate e que todos concordaram e cumprem com a nova Lei.
Todos precisamos ter claro que os ganhos econômicos precisam respeitar os limites da natureza. Ultrapassar esses limites é algo que ameaça a própria produção agrícola, ela mesma extremamente dependente de nosso meio ambiente saudável.