O futuro é hoje, e ele é cinza
Nota da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira sobre os eventos climáticos recentes potencializados pelos ataques à biodiversidade
Havia um ensinamento antigo, geralmente passado pelas mães, que dizia: “você colhe, o que plantou”. No entanto, não há nenhum que te prepare para os casos em que tudo o que você plantou é incendiado ou mesmo para o desafio de pensar que seus netos serão aqueles que irão colher, ou sofrer, com o que você está plantando hoje.
A Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, que promoveu durante anos a formação e consolidação de brigadas contra incêndios, a aprovação da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo e vem atuando, desde 1999, junto aos municípios na criação e aplicação de protocolos de manejo do fogo, que preveem ações preventivas, de educação, comunicação e monitoramento, vê com tristeza o momento atual.
Nos últimos dias, conseguimos ver que aproximadamente 60% do território brasileiro esteve coberto por fumaça, resultado do aumento recorde de queimadas em todo o país. Nos primeiros 12 dias de setembro, o número de focos de incêndio cresceu cerca de 50%, afetando quase todos os biomas brasileiros. O total passou de cerca de 18 mil focos nos primeiros 12 dias de setembro de 2023 para mais de 45 mil no mesmo período em 2024.
Os impactos para a saúde e meio ambiente vão perdurar mais do que a gestão atual de governo, e da geração adulta hoje. A biodiversidade, a fauna e a flora, e os impactos na saúde da população serão custeados a longo prazo repercutindo financeiramente em todos os setores da economia
Em um contexto de emergência sentido por todos o governo federal solicita, agora, que acordos comerciais importantes que poderiam incentivar a transição ecológica na agropecuária, como a Lei Antidesmatamento da União Europeia tenha sua aplicação adiada. Levando-se em consideração o aprendizado com o Código Florestal, cuja aplicação de alguns de seus mecanismos vem sendo adiados desde o dia 1 depois de sua aprovação, já sabemos que ao adiarmos sua efetiva implementação estamos só postergando os problemas e perdendo um tempo precioso que deveria estar sendo utilizado para a solução de seus desafios de implementação. Quando os desafios voltam a bater em nossa porta, a solução que surge dos deputados e senadores é a de alterar a lei, para que aquilo que é um problema ou uma ilegalidade, deixe de ser ou de existir.
Reforçamos ainda a importância da recém aprovada Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (MIF) como sendo um poderoso instrumento que contribuirá com a redução e danos causados pelos incêndios florestais além de ter um papel ecológico e cultural importante em alguns biomas, pois todas as suas ações foram construídas com base na educação ambiental. O MIF tem um papel que vai além da questão puramente do fogo: ele atua principalmente na conservação da biodiversidade, fortalece as comunidades tradicionais e locais reduzindo o conflito de campo, além de incidir diretamente nas questões de adaptação e resiliência climática.
Dessa forma, chamamos a atenção para os seguintes pontos abaixo:
- O fortalecimento e apoio aos órgãos de defesa ambiental, como o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
- Apoio aos servidores de órgãos públicos. É de esperar que as pessoas que estejam na linha da frente sejam protegidas e tenham recursos para atuar no combate e fiscalização.
- Da mesma forma, populações e povos tradicionais precisam estar protegidos, garantindo a demarcação no caso dos territórios tradicionais e o apoio para a efetivação e criação de brigadas voluntárias e indígenas. Há diversas cidades que não possuem sequer um posto de bombeiro fixo o ano todo.
- O fim da tramitação na Câmara e no Senado de projetos de leis que tentam flexibilizar e enfraquecer a legislação ambiental brasileira, notadamente o Código Florestal.
- O compromisso incondicional dos governos na implementação de leis que existem e podem apoiar a uma produção com critérios socioambientais, como os instrumentos do Código Florestal.
- Monitoramento e recuperação das áreas degradadas impedindo que virem espaço para grilagem, que usam o fogo para sua limpeza, e que sejam incorporadas a produção agropecuária do país, bem como um plano de execução da destinação das terras públicas.
- Ações de educação ambiental e o apoio da população, incentivando denúncias em casos de focos de incêndios criminosos para a rápida atuação dos órgãos responsáveis.
Essa nota não tem por objetivo apontar culpados pela situação catastrófica que estamos vivendo, mas sim alertar que já temos experiência de atuação coletiva de esferas e órgãos de governo com objetivos em comum, como o caso de sucesso do PPCDAm, e que precisamos do mesmo empenho e total apoio para a elaboração de planos como esse que podem diminuir drasticamente os efeitos das mudanças climáticas. Para tanto precisamos que partidos e adversários políticos estejam abertos a trabalharem juntos em uma agenda pré-competitiva política e nos colocamos inteiramente abertos para diálogos e construções coletivas.
Amigos da Terra – Amazônia Brasileira